Crise na energia. Quebra económica na China pode beneficiar Europa
O abrandamento económico na China devido à política de “zero covid” poderá trazer vantagens à Europa. Numa altura de crise na energia nesse continente, Pequim está a libertar navios de transporte de metano essenciais para substituir o gás russo que até há pouco tempo correspondia a cerca de 40 por cento da procura europeia.“Independentemente do que se pensa sobre a política chinesa de zero covid, olhando para isso apenas da perspetiva do fornecimento de gás à Europa, seria muito útil que a China continuasse com essa política”, explicar ao Politico Dennis Hesseling, diretor do Gás na Agência da União Europeia para a Cooperação dos Reguladores de Energia (ACER).
Ainda no domingo, dia de inauguração do 20.º congresso do Partido Comunista da China, o presidente Xi Jinping chamou às políticas de contenção da pandemia “a guerra do povo para travar a propagação do vírus”.
Para o analista político Jacob Gunter, o discurso do líder indica que a China pretende manter a política de zero covid durante mais algum tempo, até porque o seu levantamento poderia causar “o caos” entre a população, que continua preocupada com a transmissão do vírus.
Desde o início da pandemia de covid-19, em 2020, a China tem avançado com medidas – algumas delas polémicas – de contenção do vírus, entre as quais os confinamentos de cidades inteiras, testagem massiva da população, encerramento de fronteiras e até vigilância dos cidadãos.
Tudo isto teve consequências na economia. A procura externa diminuiu e o crescimento abrandou, levando as importações de gás natural liquefeito (GNL) da China a caírem cerca de um quinto (o equivalente a 14 mil milhões de metros cúbicos) nos primeiros oito meses deste ano, segundo Jörg Wuttke, presidente da Câmara do Comércio da UE na China.
“A Europa tem sorte”
Tanto a China como a União Europeia importaram 80 milhões de toneladas de GNL em 2021, mas as importações de Pequim vão cair para 64 milhões este ano, segundo as previsões da empresa de serviços de inteligência de comércio ICIS.
Esta queda deverá ajudar a UE a comprar gás no mercado global e a usá-lo para abastecer os armazéns europeus ainda antes do inverno.
“A Europa tem sorte por a China estar a enfrentar um grave decréscimo económico que irá durar até pelo menos 2023”, considerou Jörg Wuttke em declarações ao Politico. A queda na procura pela China, que historicamente era a maior importadora de gás natural liquefeito, é “o equivalente às importações anuais de GNL da Grã-Bretanha”, elucidou.
Neste momento, o armazenamento de gás na Europa é superior a 90 por cento. Ainda assim, em Bruxelas já se discute o abastecimento do próximo ano. “O próximo inverno pode ser ainda mais difícil”, previu Fatih Birol, diretor-executivo da Agência Internacional de Energia, durante a cimeira de ministros europeus da Energia na semana passada.
China proíbe revenda de gás à UE
Segundo a ACER, “o declínio na procura de gás pela China está a ser absorvida” pelos países europeus. “Isto levanta questões sobre quando é que a procura da China pode voltar às taxas normais de crescimento”.
Prevendo dificuldades no seu próprio abastecimento, o Governo chinês já ordenou às empresas estatais de importação de gás que parassem de revender GNL à União Europeia, de modo a preservar as reservas do país para o inverno que se aproxima.
No entanto, caso seja posto um fim à política de zero covid na China, poderá haver uma nova mudança radical no crescimento, alertam especialistas. Caso tal se concretize, o cenário europeu pode novamente piorar.
Apesar de as importações de gás russo pela Europa terem caído para menos de nove por cento do total, “até essa quantidade pode não estar disponível no próximo ano”, alertou a ACER. Se deixarmos de ter gás russo e a procura chinesa voltar a aumentar, poderão ser necessárias medidas mais fortes e poupança de energia nos 27 Estados-membros.
Os líderes europeus vão estar reunidos no final desta semana para discutirem novas medidas contra o aumento dos preços da energia. Em cima da mesa está a opção da compra conjunta de gás no próximo ano.